domingo, 12 de dezembro de 2010

O que vi...



Resolvi juntar os pedacinhos de mim, buscar significado nos dias passados para esperar o amanhã.
Surpresa tamanha quando percebi tocando tão grande presente, este presente recebido todos os dias em forma de vida. Narrando dias de intenso sentir, o que vi foi...

Fui imensamente feliz em minhas dores;
Fui derrotada em minhas vitórias;
Joguei flores ao vento, alguns colheram espinhos;
Acreditei e fui desacreditada;
Lutei por sonhos impossíveis e conquistei degraus esquecidos;
Chorei por perdas passadas;
Esqueci de sorrir ao ganho do segundo adquirido.
Conheci almas de amor e bem;
Repudiei ao mal no mundo, chorei;
Reparti dias ao lado do meu filho, aprendi;
Ganhei e perdi... tanto, tanto, tanto...
Que fez meu coração gigantear, tornando mais vermelho...
Sofri, sorri, Amei, me permiti;
Ao tempo e tato dos meus trinta e poucos anos, amadureci;
Corri em espaço fechado de ruas solitárias,
ao som inaldíveis das folhas de outono;
Adormeci em pele que treme no imaginar do sonho.
Dormi em pele, sem e com Leão bravio.
Fui borboleta procurando jardim;
Fui jardim à espera de borboletas;
Em solidão plena, fui jardim sem contemplação...
Estive em glória de momentos,
dos momentos sem glória;
Fui amante só...
Fui boca derramada de desejo e fúria;
tentação e busca...
Fui alma de sonhos na realidade impensada,
justificando a dor presente.
Estive e fluí;
Dor e prazer;
Falta e contentamento; Tão pouco e exagerado.
Riso e ódio. Fui plena.
Mãe, Menina, Mulher...
Tão grande... Tão pequena...
Gargalo de loucura buscando ser Gente.
Dois mil e dez anos em um...
Quanto significado, quanta matéria,
quanto ar puro que passou despercebido;
Quanto verde que não chegou ao vermelho...
Pra não dizer das lágrimas, sorrisos e dores,
junção do supremo...
Com tantos pedacinhos ainda indecifráveis
esperando juntar o maior número possível,
sabendo do valor imensurável do presente chamado vida.
Sinto leveza;
Talvez seja só isso...
Ou talvez seja o Natal;
uma forma de reviver o que ganhamos ou deixamos de doar;
Talvez seja a vontade de ser melhor;
De absolver tudo,
com intensidade tamanha que faça os dias serem grandes ou 
demasiadamente pequenos.
De abraçar tudo, amar demais, participar...
Descobri que os meus planos vão além...
E que eu ganhei uma força incrível para acreditar que amanhã
será leve, e quero receber meus presentes de vida, encher meu peito de luz,
e semear flores...
Que venha 2011...

sábado, 11 de dezembro de 2010

Não Digas Nada

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dor...


Dor de saudade
Dor que esmaga
E faz querer  útero
Que aninha pedindo colo.

Dor que não tem jeito
Feita para sentir
Dos que permitiram amar
Sendo amados e perderam

A causa de fugir
Buscar alento nos pedaços deixados
No coração que derrama
Na lágrima cristalizada
No pulmão aberto,
Alma que chora.

Amor, dor, perda
Será perda ou ganho?
Perdi e ganhei
Perdi colo...
Ganhei eternidade
Em forma de saudade, não há como esquecer...

As formas permanentes da dor
Na flor regada que brotou
No abraço apertado
Sorriso estampado
Na benção de cada dia

Dor adquirida, carregada, sentida.
E quando além do meu Ser sinto o tocar de seus braços...
Abraça-me Mãe...

E no desvelo de suas mãos posso adormecer novamente
Certa do amor que toda filha desejou ter.
Minha eterna flor primeira
És minha flor, flor mundo, flor tudo... Mãe flor...
Lágrimas de amor...

Dois anos sem você...

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Inocência

Vou aqui como um anjo, e carregado 
De crimes! 
Com asas de poeta voa-se no céu... 
De tudo me redimes, 
Penitência 
De ser artista! 
Nada sei, 
Nada valho, 
Nada faço, 
E abre-se em mim a força deste abraço 
Que abarca o mundo! 

Tudo amo, admiro e compreendo. 
Sou como um sol fecundo 
Que adoça e doura, tendo 
Calor apenas. 
Puro, 
Divino 
E humano como os outros meus irmãos, 
Caminho nesta ingénua confiança 
De criança 
Que faz milagres a bater as mãos. 

Miguel Torga

Mãe

Mãe: 
Que desgraça na vida aconteceu, 
Que ficaste insensível e gelada? 
Que todo o teu perfil se endureceu 
Numa linha severa e desenhada? 

Como as estátuas, que são gente nossa 
Cansada de palavras e ternura, 
Assim tu me pareces no teu leito. 
Presença cinzelada em pedra dura, 
Que não tem coração dentro do peito. 

Chamo aos gritos por ti — não me respondes. 
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio. 
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes 
Por detrás do terror deste vazio. 

Mãe: 
Abre os olhos ao menos, diz que sim! 
Diz que me vês ainda, que me queres. 
Que és a eterna mulher entre as mulheres. 
Que nem a morte te afastou de mim! 

Miguel Torga

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Tua Voz de Primavera

Manto de seda azul, o céu reflete 
Quanta alegria na minha alma vai! 
Tenho os meus lábios úmidos: tomai 
A flor e o mel que a vida nos promete! 

Sinfonia de luz meu corpo não repete 
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai! 
Iguala o sol que sempre às ondas cai, 
Sem que a visão dos poentes se complete! 

Meus pequeninos seios cor-de-rosa, 
Se os roça ou prende a tua mão nervosa, 
Têm a firmeza elástica dos gamos... 

Para os teus beijos, sensual, flori! 
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos, 
Só me exalto e sou linda para ti! 

Florbela Espanca

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Contemplação

Sonho de olhos abertos, caminhando 
Não entre as formas já e as aparências, 
Mas vendo a face imóvel das essências, 
Entre idéias e espíritos pairando... 

Que é o mundo ante mim? fumo ondeando, 
Visões sem ser, fragmentos de existências... 
Uma névoa de enganos e impotências 
Sobre vácuo insondável rastejando... 

E d'entre a névoa e a sombra universais 
Só me chega um murmúrio, feito de ais... 
É a queixa, o profundíssimo gemido 

Das coisas, que procuram cegamente 
Na sua noite e dolorosamente 
Outra luz, outro fim só presentido... 

Antero de Quental

Sonhos de hoje



Conto os dias como quem conta seu salário de fome.
Avarento medo meu, de perder enquanto busco. Perdida entre a busca e a realidade.
Sinto fraquejar os sonhos e me ergo em busca de novos. Tento usar garras de águia mas nem sempre são tão fortes.

Quero trinta anos em três dias, quero vida acontecendo... minha urgência em sentir...

Melhor recuar e observar o vento de hoje....
Não posso mais expressar meus sentimentos hoje...
A poesia me espera...

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Calor de Mãe

O ontem é passado.
E você Mãe estava aqui comigo em corpo, alma e coração.
O amanhã é mistério.
Desconheço os caminhos que passarei sem os seus cuidados de Mãe.
O hoje é uma dádiva pois depositaste tanto amor, esperança, alegria e vida em abundância em meu coração, presente plantado de tal forma que só vem de amor de Mãe.
Hoje 15/11/2010, exatamente dois anos passados que senti seu abraço que me envolvia em proteção desvelando meu ser. O som da sua voz abençoando-me na despedida última com cheiro de presença e corpo. Já embalando sorriso de saudade.
O aceno ao longe dizia adeus, e meu coração ingênuo jurava que em poucos dias estaria de volta para seus braços, meu ninho. Onde o conforto e energia que renovava minha vida, minhas esperanças.
Coração infanto, coração despreparado para perdas.  Não sabia que Deus já tinha seus planos e esqueceu de me avisar.
Nunca fui forte, nunca imaginei voltar à minha casa se não fosse para estar entre o calor exalado por minha Mãe. Afinal, para que existiria férias? Afinal , Natal é dia de Mãe, família.
Pudera eu, quisera eu. Menina pequena saber que aquele natal de 2008 ela não estaria lá...
Deus pregou uma peça, ele sabia, sim ele sabia. Pois quinze dias depois do meu abraço último eu retornaria, retornaria ao mesmo lugar de partida para tocar nas mãos frias que não me responderiam. No olhar que não me fitaria e o abraço que não teria. Cadê minha Mãe?
Minha voz gritava, eu sentia os gritos dentro de mim e ainda sinto. Gritos de dor e desespero. Mas eram gritos mudos, indignados, insuportáveis.
Eu a procurava e procuro em cada canto, tudo tinha seu cheiro, mas cadê ela?
Porque tantas pessoas, quem são essas pessoas que olham pra mim com pena? Me abraçando sabendo que estava a procura do abraço da minha Mãe. Porque povoam a cozinha dela, mexem em seus objetos... Desnorteio... Procuro em minha mente a canção do assobiar. Canção que minha mãe cantava regando suas flores, mas é embargado, não sinto, só sinto dor, só dor...
Relutei em visualizar. Sou feita do fogo e do afeto. Da ação e do amor. Eu não podia acreditar. Mãe? Cadê você?
E pela primeira vez toco mãos que fez vida, toco suas mãos agora sem calor, sem retorno. Então sinto o poder de Deus esmagando meu coração, triturando cada pedaço do meu corpo, como se n’aquele momento uma navalha cortasse o cordão umbilical que levava o meu respirar, o meu sangue e minha vida. E de tanta dor, eu não queria mais sentir, não poderia sentir. Acorda Mãe. Acorda.
Tempos de silêncio...
Mas Deus tem seus planos. Ele transforma e amadurece o coração dos que amam sem titubear.
Ele afaga nossas dores nos tornando fortes e nos oferece suporte para  enterrar nossas perdas.
E nesses dois anos Deus me presenteou com amigos, família unida, saúde e a fortaleza do meu pai, fez as flores cada dia mais belo ao meu olhar.  E na beleza da vida, na beleza das flores que revivo a vida bela que teve minha Mãe. Não teve uma vida leve, mas uma vida intensa vida  plena.
O que sinto hoje é falta, não pena. Pois sei que viveste intensamente a vida que Deus lhe deu, mesmo partindo tão cedo...30/11/2008.
Permaneço aqui. Aos olhos seus, aos olhos de Deus. Eu te honro e te amo.
Hoje, ontem e sempre.
À minha flor primeira... Metade do amor que tenho veio de ti.
Sua “nega” ... Celinha
Saudade.... só Saudade...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

As flores da Lichia

Mãe? 
Lembra do pé de Lichia que plantaste por carinho e curiosidade para descobrir o tom e forma se suas flores e o sabor do fruto? 
Então Mãe, ele está florido... e como são belas as flores, são cachos que começam aparecendo timidamente e em poucos dias uma explosão de cores e formas tomaram conta de toda a árvore que agora está frondosa e robusta. Esta foto foi feita sobre o seu olhar de contemplação Mãe. E uma lágrima cristalizada rolou face abaixo como se regasse a felicidade de sentir sua beleza de Mãe em forma de flores de Lichia. 
As folhas da lichieira são pinadas de cor verdes-escuro. A florada inicia do final do inverno Mãe, até o começo da primavera.
E existem três tipos de flores nas lichieiras. Duas funcionalmente masculinas e uma feminina. As masculinas não possuem óvulo e as femininas são hermafroditas. A segunda variedade de flor masculina possui pistilo rudimentar e ovários não desenvolvidos. 
Os frutos da lichieira demoram de 80 a 112 dias para amadurecer, dependendo do cultivar e do clima. 
A contagem desse tempo para o amadurecimento deve ser feita a partir do momento em que ocorre a abertura das flores, quando um ou todos os seus órgãos sexuais apresenta-se maduros e inicia-se o período reprodutivo. Os cachos são de forma e tamanho variáveis podendo ser redondos, ovóides ou em forma de coração. 
Por isso Mãe, hoje eu digo que a fruta que vejo se formar diante dos meus olhos chamada Lichia é a fruta da Rainha, porque das suas mãos fizeste brotar este encantamento e me fez buscar conhecimento de sua origem e espécie, porque Deus te levaste antes que pudesse vê-la florescer. Mas neste mês que completa 2 anos de sua partida o lindo pé de Lichia se faz completamente florido.  E é um descanso para os olhos Mãe. OBRIGADA MAMÃE. Te amo.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O jardim

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas, 
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes. 
Sequências de convergências e divergências, 
ordem e dispersões, transparência de estruturas, 
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas. 

Geometria que respira errante e ritmada, 
varandas verdes, direcções de primavera, 
ramos em que se regressa ao espaço azul, 
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem 
composta pelo vento em sinuosas palmas. 

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio. 
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena. 
Sou uma pequena folha na felicidade do ar. 
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis. 
É aqui, é aqui que se renova a luz. 

António Ramos Rosa

domingo, 7 de novembro de 2010

Anseios

Meu doido coração aonde vais, 
No teu imenso anseio de liberdade? 
Toma cautela com a realidade; 
Meu pobre coração olha cais! 

Deixa-te estar quietinho! Não amais 
A doce quietação da soledade? 
Tuas lindas quimeras irreais 
Não valem o prazer duma saudade! 

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!... 
Ai, vê lá bem, ó doido coração, 
Não te deslumbre o brilho do luar! 

Não estendas tuas asas para o longe... 
Deixa-te estar quietinho, triste monge, 
Na paz da tua cela, a soluçar!... 

Florbela Espanca

sábado, 6 de novembro de 2010

Ideal

Aquela, que eu adoro, não é feita 
De lírios nem de rosas purpurinas, 
Não tem as formas languidas, divinas 
Da antiga Vénus de cintura estreita... 

Não é a Circe, cuja mão suspeita 
Compõe filtros mortaes entre ruinas, 
Nem a Amazona, que se agarra ás crinas 
D'um corcel e combate satisfeita... 

A mim mesmo pergunto, e não atino 
Com o nome que dê a essa visão, 
Que ora amostra ora esconde o meu destino... 

É como uma miragem, que entrevejo, 
Ideal, que nasceu na solidão, 
Nuvem, sonho impalpável do Desejo... 

Antero de Quental

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Canção na plenitude

Canção na plenitude

Lya Luft

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

O texto acima foi extraído do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1997, pág. 151.

Para os amigos

De entre todos, apenas vós 
tendes direito a ver-me 
fracassar. Onde caio 
entre a vossa irónica 
doçura implacável, convosco 
partilho o pão e o espaço 
e a rapidez dos olhos 
sobre o que fica (sempre) 
para dar ou dizer. 
E de vós me levanto 
e vos levo pesando 
e ardendo até onde 
me ajudais a ser 
melhor ou talvez 
menos só. 

Vítor Matos e Sá

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

As duas flores

São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!


Castro Alves