quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Gritar

Aqui a acção simplifica-se 
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira 
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes 
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos 
Ponho-me a gritar 
Todos falavam demasiado baixo falavam e 
                                                             [escreviam 
Demasiado baixo 

Fiz retroceder os limites do grito 

A acção simplifica-se 

Porque eu arrebato à morte essa visão da vida 
Que lhe destinava um lugar perante mim 

Com um grito 

Tantas coisas desapareceram 
Que nunca mais voltará a desaparecer 
Nada do que merece viver 

Estou perfeitamente seguro agora que o Verão 
Canta debaixo das portas frias 
Sob armaduras opostas 
Ardem no meu coração as estações 
As estações dos homens os seus astros 
Trémulos de tão semelhantes serem 

E o meu grito nu sobe um degrau 
Da escadaria imensa da alegria 

E esse fogo nu que me pesa 
Torna a minha força suave e dura 

Eis aqui a amadurecer um fruto 
Ardendo de frio orvalhado de suor 
Eis aqui o lugar generoso 
Onde só dormem os que sonham 
O tempo está bom gritemos com mais força 
Para que os sonhadores durmam melhor 
Envoltos em palavras 
Que põem o bom tempo nos meus olhos 

Estou seguro de que a todo o momento 
Filha e avó dos meus amores 
Da minha esperança 
A felicidade jorra do meu grito 

Para a mais alta busca 
Um grito de que o meu seja o eco. 

Paul Eluard

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O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
Fernando Pessoa

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