quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Poeta só



Prende-me tua pele 
ao perfume dos teus seios 
e sinto que o mundo em mim se fechou. 

Jardins de vida me trazes, 
odor de brilho aberto, 
em voo de gaivota 
rente ao mar. 

Esse fulvo encontro 
me encanta à noite 
se à janela 
procuro o entrelaçado 
da tua memória. 

Ouço a noite 
no céu estelar 
cantar a nossa solidão: 
o meu coração perdido 
em teu olhar, 
e o odor da tua pele 
por mim espera 
para que em ti se levante. 

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mãe

Dantes, quando a deixava, 
As férias já no fim, 
Ela vinha à janela 
Despedir-se de mim. 

Depois, quando na estrada, 
Olhava para trás, 
Deitava-me ainda a benção 
Para que eu fosse em paz. 

Dali não se movia, 
À vidraça encostada, 
Até que eu me perdia 
Já na curva da estrada. 

Hoje, se olho, calo-me 
E baixo os olhos meus! 
Já não vem à janela 
Para dizer-me adeus! 

II 

Chove, e a chuva é fria. 
Noite! Nos montes distantes 
O Inverno principia. 
Um Inverno como dantes. 

Ao redor do lume aceso 
Todos ficamos a olhar... 
Todos não, não somos todos, 
Porque há vazio um lugar. 

Esse lugar era o dela, 
Que ninguém mais preencheu. 
Mesmo com vida, na terra, 
Era uma estrela no céu. 

Alfredo Brochado, in "Bosque Sagrado"


Para sempre




Por que Deus permite 
que as mães vão-se embora? 
Mãe não tem limite, 
é tempo sem hora, 
luz que não apaga 
quando sopra o vento 
e chuva desaba, 
veludo escondido 
na pele enrugada, 
água pura, ar puro, 
puro pensamento. 
Morrer acontece 
com o que é breve e passa 
sem deixar vestígio. 
Mãe, na sua graça, 
é eternidade. 
Por que Deus se lembra 
— mistério profundo — 
de tirá-la um dia? 
Fosse eu Rei do Mundo, 
baixava uma lei: 
Mãe não morre nunca, 
mãe ficará sempre 
junto de seu filho 
e ele, velho embora, 
será pequenino 
feito grão de milho. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'


Quando eu for pequeno...


Quando eu for pequeno, mãe, 
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.

Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.

Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
                                                       [pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

José Jorge Letria, in "O Livro Branco da Melancolia"




Um ano e 9 meses... e o fio da Saudade me faz querer ser pequena para estar contigo... Te amo minha Mãe.